Travessa Nestor de Castro: Desapropriação de comércios para a Rua da Memória

Em 14 de outubro de 2025, o Centro Histórico de Curitiba amanheceu diferente. Comerciantes chegaram para abrir suas portas e se depararam com oficiais de justiça, bloqueios no trânsito e o início de uma transformação urbana que vinha sendo anunciada desde janeiro de 2024. Cinco estabelecimentos comerciais na Travessa Nestor de Castro foram desapropriados para dar início às obras da Rua da Memória, um ambicioso projeto de revitalização que promete conectar o Memorial de Curitiba à Casa da Memória. Entre a promessa de modernização e as lágrimas de comerciantes que perderam seus negócios, nasce uma das intervenções urbanas mais polêmicas e importantes da história recente da cidade.

O Que É o Projeto Rua da Memória

A Rua da Memória é um projeto concebido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) que fará a conexão entre o Memorial de Curitiba e a Casa da Memória, transformando completamente a Travessa Nestor de Castro no Centro Histórico.

A obra vai contar a história da cidade com recursos digitais nas paredes das edificações, permitindo que a informação chegue a todas as pessoas, valorizando a diversidade. Trata-se de criar um memorial digital a céu aberto, onde moradores e turistas poderão mergulhar na história de Curitiba através de painéis interativos e tecnologia de ponta.

Os principais objetivos incluem:

• Conexão Cultural: Unir dois importantes espaços de memória da cidade através de uma experiência imersiva
• Mobilidade Ativa: Fortalecer a mobilidade com calçadas e estrutura cicloviária integradas a um sistema de transporte renovado
• Revitalização Urbana: Recuperar uma área degradada do Centro Histórico
• Inovação Tecnológica: Usar recursos digitais para contar a história da cidade de forma interativa
• Valorização do Patrimônio: Destacar a arquitetura e monumentos da região

A Linha do Tempo: Do Anúncio à Execução

Janeiro de 2024: O Anúncio Oficial

Em 18 de janeiro de 2024, o prefeito Rafael Greca apresentou o projeto, declarando que “A Rua da Memória será uma das âncoras de um grande projeto de revitalização e redesenvolvimento do Setor Histórico para o usufruto de toda a população e de visitantes que tenham Curitiba como destino”.

Naquele momento, o projeto foi recebido com entusiasmo pela maioria da população. As imagens de computação gráfica mostravam uma Travessa Nestor de Castro completamente transformada, com amplas calçadas, ciclovias, iluminação moderna e painéis digitais contando a história da cidade.

2022-2024: O Processo Legal

Os cinco imóveis foram declarados de utilidade pública em 2022 para a implantação da Rua da Memória. O município ajuizou as ações de desapropriação entre 2023 e 2024.

Durante esse período, os proprietários e inquilinos dos imóveis foram notificados sobre a desapropriação, iniciando-se os processos judiciais necessários. No entanto, muitos comerciantes relatam que não receberam comunicação clara sobre os prazos e a rapidez com que a desocupação seria executada.

Outubro de 2025: O Início das Obras

Em 14 de outubro de 2025, as obras tiveram início oficial com bloqueios de trânsito nas duas faixas da direita da Travessa Nestor de Castro, da Rua Barão do Serro Azul até a Rua do Rosário, além do bloqueio total da Rua do Rosário.

A Urbanização de Curitiba (Urbs) realocou temporariamente 22 pontos de ônibus, afetando linhas como 901-Santa Felicidade, 972-Jardim Itália, 989-Madrugueiro Santa Felicidade, 168-Raposo Tavares e 166-Vila Nori.

As Desapropriações: O Lado Humano da Transformação

Os Números da Desocupação

A Prefeitura de Curitiba realizou cinco desapropriações, com três imóveis integralmente desapropriados. Três estabelecimentos estavam sob determinação judicial para desocupação dos inquilinos e cumprimento do mandado de imissão de posse em favor do Município.

Os Estabelecimentos Afetados

Seis bares da região foram afetados desde o início: Albeek, Shisha King, Boesia Bar, Lanchonete Cana Caiana, Bar e Lanchonete do Tom e Chunyu Wu. Apenas o Bar do Alemão deve permanecer fora da área diretamente atingida.

Esses estabelecimentos, muitos deles operando há décadas na região, eram parte da identidade do Largo da Ordem. Serviam estudantes, trabalhadores do Centro e turistas, contribuindo para a vida noturna e a economia local.

Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrabar), pelo menos 80 famílias foram impactadas pela ação. Não se trata apenas dos proprietários dos bares, mas de garçons, cozinheiros, atendentes, faxineiros e toda a cadeia de fornecedores que dependiam desses estabelecimentos para sobreviver. Famílias inteiras viram sua fonte de renda desaparecer da noite para o dia.

A Polêmica: Falta de Diálogo e Prazo Insuficiente

O Apelo da Abrabar

Na segunda-feira, 13 de outubro, um dia antes da desapropriação, os estabelecimentos pediram à prefeitura um prazo maior para a realocação dos envolvidos. O pedido não foi atendido, e no dia seguinte os mandados foram cumpridos.

Para Fábio Aguayo, presidente da Abrabar, apesar de entender a iniciativa da prefeitura em revitalizar uma área degradada, a decisão foi tomada de forma abrupta e pouco cordial: “Vimos com tristeza a imposição da força do poder público contra empresários que estão tentando sobreviver, restabelecer”.

O Drama da Indenização

O processo de indenização ainda está pendente. Comerciantes relataram que o processo de indenização ainda nem começou, mas a retirada foi feita.

Essa situação criou um impasse dramático: comerciantes foram forçados a deixar seus estabelecimentos sem terem recebido qualquer compensação financeira, impossibilitando que se realocassem imediatamente em outros pontos da cidade.

Como Será a Rua da Memória: O Futuro do Espaço

O Memorial Digital

A obra vai usar recursos digitais nas paredes das edificações para contar a história da cidade. Imagine caminhar pela Travessa Nestor de Castro e poder interagir com painéis que mostram:

• Fotos históricas de Curitiba em diferentes épocas
• Vídeos de personagens importantes da história local
• Mapas interativos mostrando a evolução urbana
• Depoimentos de antigos moradores
• Realidade aumentada recriando cenários do passado

Infraestrutura de Mobilidade

O projeto prevê que o espaço seja destinado para pedestres e ciclistas, com possibilidade de ter uma área de lazer maior, de convivência, de manifestações sociais e culturais.

O que está previsto:

• Calçadas Amplas: Espaço generoso para pedestres circularem com conforto
• Ciclovia Integrada: Conexão com a malha cicloviária do Centro
• Iluminação Cênica: Valorização noturna dos prédios históricos
• Mobiliário Urbano: Bancos, lixeiras e elementos de acessibilidade
• Paisagismo: Vegetação que valorize o patrimônio arquitetônico

A Conexão Cultural

A estrutura vai fazer a ligação entre o Memorial de Curitiba e a Casa da Memória, unindo espaços multiculturais que preservam a história e o patrimônio cultural de Curitiba.

Atualmente, embora próximos geograficamente, esses dois importantes espaços culturais funcionam de forma independente. A Rua da Memória criará uma experiência contínua, onde o visitante transitará naturalmente de um ao outro, imerso na história da cidade.

O Que Esperar: Cronograma e Próximos Passos

A previsão é que a obra dure oito meses. Considerando que o início oficial foi em outubro de 2025, a expectativa é que a Rua da Memória esteja pronta até meados de 2026.

2025-2026: Fase de Obras

• Outubro/2025: Início das obras com desapropriações e bloqueios
• Novembro/2025 a Março/2026: Demolições, terraplanagem e infraestrutura
• Abril a Junho/2026: Instalação dos elementos digitais e mobiliário urbano
• Julho/2026: Finalização e testes dos sistemas
• Agosto/2026: Inauguração prevista

Após a Conclusão

A Rua da Memória promete:

• Programação Cultural Constante: Exposições, performances, eventos históricos
• Atualização Digital Contínua: Novos conteúdos sobre a história de Curitiba
• Integração com Escolas: Visitas educativas e programas pedagógicos
• Turismo Fortalecido: Roteiros que incluam o memorial digital
• Espaço de Convivência: Área para encontros, manifestações e lazer

Lições de Outras Revitalizações em Curitiba

Sucessos Anteriores

Curitiba tem histórico de revitalizações bem-sucedidas:

Rua 24 Horas (1991): Transformou galeria comercial em atração turística funcionando 24 horas, mantendo parte do comércio original.

Setor Histórico (Anos 1970): Primeira grande preservação do patrimônio, criando o conceito de “Centro Histórico” em Curitiba.

Mercado Municipal (2022-2023): Requalificação que valorizou o comércio tradicional enquanto modernizava a infraestrutura.

O Diferencial da Rua da Memória

Este projeto se diferencia por:

• Componente tecnológico inédito: Memorial digital a céu aberto
• Escala mais focada: Intervenção pontual, não uma região inteira
• Integração cultural clara: Conexão entre dois equipamentos existentes

O Impacto no Trânsito e Transporte Público

Bloqueios Temporários

Durante o período de obras, a região sofre com:

• Duas faixas bloqueadas na Travessa Nestor de Castro (sentido Rua Barão do Serro Azul até Rua do Rosário)
• Bloqueio total da Rua do Rosário entre Travessa Nestor de Castro e Rua Treze de Maio
• Desvios criando congestionamentos em ruas paralelas

Mudanças no Transporte Público

As linhas com pontos transferidos utilizam agora os abrigos localizados na frente do painel de Poty Lazzarotto, compartilhando espaço com as linhas 169-Jardim Kosmos, 176-Parque Tanguá, 160-Jardim Mercês/Guanabara, 164-Raquel Prado/PUC e 175-Bom Retiro/PUC.

A diretora do Ippuc garante que já foram feitas reuniões com a Urbs e que os passageiros não vão sofrer com as mudanças: “Nós vamos fazer a realocação deles em áreas muito próximas. Os ônibus vão estar na Rua Cruz Machado, que é paralela”.

Dicas para quem usa transporte público na região:

• Consulte o aplicativo da Urbs para informações atualizadas sobre pontos
• Chegue com antecedência, pois os pontos compartilhados ficam mais cheios
• Considere pontos alternativos nas ruas paralelas
• Fique atento à sinalização temporária

Visitas Durante as Obras

Se você quiser acompanhar a transformação:

• O Largo da Ordem continua acessível
• Evite horários de pico (8h-9h e 17h-19h) devido ao trânsito
• Use transporte público sempre que possível
• Respeite as sinalizações e áreas de obra